Poemário.

Poemário.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A hora íntima

Quem pagará o enterro e as flores
Se eu morrer de amores ?
Quem, dentre os amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo ?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: - Nunca fez mal...
Quem, bêbado, chorará em voz alta
De não ter me trazido nada ?
Que virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta ?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente ?
Quem elevará o olhar covarde

Até a estrela da tarde ?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore ?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros ?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: - Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto ?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio ?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios ?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: - Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério ?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal ?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspensão tamanha
Que eu hei de rir branco de cal ?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançará um punhado de sal
Na minha cova de cimento ?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral ?
Qual a que não estará presente 
Por motivo circunstancial ?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada ?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: - Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: - Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida ?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada ?


Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu morrer de amores ?

             
                                                    Vinicius de Moraes.

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